sábado, 6 de dezembro de 2014

Gentileza - Crônica com cheiro de terra molhada - Wendel Valadares

Imagem: © hieubom
Dona Zica ficou uns dias de cara virada pra mim, só porque eu passei de ano direto e o Artur, filho dela que estuda na mesma sala que eu, pegou recuperação em três matérias e só passou porque a professora ajudou. Dona Zica falou que era obrigação minha ajudar o Artur a passar de ano. Meu pai ficou enfezado demais e queria ir lá tirar satisfação com ela, só não foi porque minha mãe não deixou. Falou com ele que não compensa arrumar confusão com esse tipo de gente. Fiquei com a consciência tão pesada porque minha mãe falou “esse tipo de gente”.
Agora, toda vez que o Artur grita lá do portão, me chamando pra jogar bola, minha mãe faz questão de ir lá fora e falar com ele que eu não posso não, que eu tou ocupado, estudando pra passar de ano direto e o menino vai embora caladinho, com cara de choro.
Eu acho que sei porque minha mãe trata o menino desse jeito, é só porque um dia eu falei pra ela que ele levava lanche pra escola todo dia. Daí ela falou: - que lanche, eles num tem nem onde cair morto. E eu respondi: tem dia que ele leva iogurte, tem dia que leva guaraná, até sanduiche ele já levou. E ela ficou resmungando o resto da tarde: - 'sanduiche, iche, iche'. Acho que ela ficou sentida porque aqui em casa a gente só toma um gole de café de manhã cedo e vai pra escola e só come alguma coisa na hora da merenda.
Outro dia eu ajudei o Seu Raul a limpar o quintal e ele me deu vinte reais. Minha mãe falou que era pra eu comprar um sanduiche e um guaraná pra levar pra escola, mas acabou que ela precisou do dinheiro, porque a garrafa de café quebrou e teve que comprar outra.
Tem problema não mãe, a merenda da escola é boa demais e toda vez que o Artur leva guaraná ele me oferece.

Wendel Valadares
(Texto gentilmente cedido pelo autor)

Um comentário:

Translate

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *